O Modelo de Operação come a Cultura no almoço

A famosa frase de Peter Drucker – "a cultura come a estratégia no café da manhã" – tornou-se um mantra no mundo corporativo. Essa perspectiva revolucionou a forma como enxergamos a dinâmica organizacional, destacando o poder dos valores compartilhados sobre planos estratégicos meticulosamente elaborados.

No entanto, existe uma verdade ainda mais fundamental que quase ninguém percebe: o modelo de operação come a cultura no almoço.

A desconexão entre Discurso e Prática

Organizações investem recursos substanciais em iniciativas culturais. Workshops são realizados, consultores especializados são contratados, manifestos inspiradores são criados e disseminados. Três meses depois, a realidade operacional permanece inalterada.

Uma empresa de Serviços Financeiros recentemente investiu pesado em uma transformação cultural. Eventos, novos painéis decorando o escritório celebrando "colaboração" e "inovação". Simultaneamente, o sistema de recompensas premiava apenas resultados individuais  e qualquer ideia não-convencional necessitava múltiplas aprovações hierárquicas para avançar.

O resultado foi previsível: a mudança cultural não se materializou. O modelo operacional – as regras tácitas e explícitas que governam como o trabalho efetivamente acontece – neutralizou as aspirações culturais declaradas.

O Sistema Operacional Corporativo

A cultura organizacional não existe em abstração. Está intrinsecamente ligada aos mecanismos operacionais que determinam o que genuinamente recebe reconhecimento, sanção, aceitação ou rejeição.

Este sistema operacional funciona como um mecanismo imunológico corporativo, preservando o status quo e frequentemente rejeitando valores que contradizem suas estruturas fundamentais. E o comportamento organizacional segue consistentemente o sistema de incentivos, tanto explícitos quanto implícitos:

• Declarar valorização da colaboração enquanto promover individualistas

• Afirmar compromisso com agilidade enquanto impor processos burocráticos

• Defender inovação enquanto penalizar tentativas malsucedidas

• Proclamar transparência enquanto restringir acesso a informações críticas

Uma organização comunicava orgulhosamente sua nova cultura de "autonomia das equipes". Uma análise mais profunda revelou que decisões acima de determinado valor financeiro exigiam múltiplas aprovações hierárquicas, efetivamente esvaziando o conceito de autonomia.

A mensagem operacional suplantou completamente a declaração cultural.

Como integrar Cultura e Modelo de Operação

Se queremos que a cultura seja verdadeiramente nossa principal arma de crescimento, precisamos garantir que ela não seja "comida" pelo modelo de operação no almoço. Em vez disso, ambos devem estar perfeitamente integrados.

Aqui estão algumas abordagens práticas:

• Audite seu modelo operacional atual: identifique onde suas práticas operacionais contradizem seus valores culturais declarados.

• Redesenhe seus processos com intencionalidade cultural: seus sistemas de gerenciamento de desempenho, promoção, recompensa e decisão devem reforçar explicitamente sua cultura desejada.

• Crie rituais operacionais: estabeleça práticas recorrentes que tornem os valores culturais tangíveis no dia a dia.

• Meça comportamentos, não apenas resultados: o que você mede comunica o que realmente importa.

• Dê ao modelo operacional a mesma atenção que dá à cultura: não basta falar sobre cultura nas reuniões de liderança; discuta também como seus sistemas operacionais estão (ou não) apoiando essa cultura.

A nova equação

A verdadeira transformação ocorre quando entendemos que:

Cultura + Modelo Operacional Alinhado = Vantagem competitiva sustentável.

Não é suficiente ter valores impressionantes. É preciso construir um modelo de operação que os viabilize, celebre e reforce diariamente.

Porque no final do dia, sua cultura não é o que você diz que é. Sua cultura é o que seu modelo de operação permite que seja.

Então, antes de iniciar mais uma iniciativa cultural inspiradora, pergunte-se: seu modelo de operação está pronto para almoçar com sua cultura... ou para devorá-la?